quinta-feira, 15 de outubro de 2009


Feijoada é Assim

Carlos Drummond de Andrade

Uma velha e perfeita cozinheira a quem pedi a fórmula sagradaDa feijoada à mineira,Mandou-me.
“Receita de feijoada –Tome coisa de um litro de feijãoPreto, novo, sem bicho,E, depois de catado com capricho,Jogue no caldeirão.
(Com feijão que não seja preto é à toatentar fazer feijoada.E se teimar, não cuide que sai boa;Sai não valendo nada.)
Quando estiver o caldeirão fervendo
Ou antes, deite o sal,As mãos de porco, orelhas e, querendo,Focinhos e rabo; isto (está claro) tendo,Porque não tendo é o mesmo, não faz mal.
Se, além desses preparos, deitar nela
Linguiça e mais um osso de presunto,Só o cheiro da panelaFaz crescer água à boca de um defunto.
Eu já ia me esquecendo (que memória)Da carne seca e da couve.
Feijoadas sem elas, qual! É a história…Não há nem nunca houve.
Depois de tudo bem cozido, a ponto,Machuque bem um pouco do feijãoE pronto.Mas machuque só a parte que senão,Em vez de feijoada sai pirão.
Eis, aí está o prato preparado…Minto: falta ainda o molho
Que embora simples é o segredo o escolhoDe muito bom guisado.
O molho faz-se com vinagre, ou então,(Para sair a coisa mais completa)com suco de limão e bastante pimenta malagueta.
Sal, ponha quantum satis.Não vai ao fogo nem ligeiramente,Exceto se levar também tomates,Cebola, ou outro que tal ingrediente.
Co/a feijoada, a clássica, a mineira
É compulsório o uso da farinha.Como bebida, um trago de caninha.Há quem regue o vinho; mas é asneira.
Quanto à caninha fala-seOu não se fale, a mim é indiferente.Eu tenho a firme opinião que um cáliceNenhum mal faz à gente.”
Eis aí a receita.Publico-a sem responsabilidade.Experimentem, se sair bem feita
E eu, no dia, estiver nessa cidade…Não insinuo nada:Apenas lembro que ninguém rejeita
Convite para almoço de feijoada.
ANDRADE, Carlos Drummond de

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